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Você sabe qual é o papel dos municípios no Licenciamento Ambiental?

O município possui competência administrativa originária em matéria ambiental para atuar naqueles casos de interesse local predominante, tendo em vista os princípios da predominância do interesse e da subsidiariedade e o artigo 23 da Constituição Federal. Isso implica dizer que qualquer norma que dispuser de maneira diferente será inconstitucional, conforme se discutiu na coluna anterior, uma vez que a autonomia dos entes locais foi assegurada constitucionalmente. Logo, o importante é saber se os mesmos dispõem de condições materiais para exercê-las, ficando para segundo plano o debate sobre a competência formal.

É preciso atentar para o fato de que existem requisitos formais e materiais que as Municipalidades precisam cumprir para poder colocar em prática suas atribuições. De acordo com a Lei complementar 140/2011, que regulamentou o parágrafo único do dispositivo constitucional citado fixando normas de cooperação para o exercício da competência administrativa em matéria ambiental, a condição para poder licenciar é ter órgão ambiental capacitado:

Artigo 5º. O ente federativo poderá delegar, mediante convênio, a execução de ações administrativas a ele atribuídas nesta Lei Complementar, desde que o ente destinatário da delegação disponha de órgão ambiental capacitado a executar as ações administrativas a serem delegadas e de conselho de meio ambiente.

Parágrafo único. Considera-se órgão ambiental capacitado, para os efeitos do disposto no caput, aquele que possui técnicos próprios ou em consórcio, devidamente habilitados e em número compatível com a demanda das ações administrativas a serem delegadas.

Artigo 15. Os entes federativos devem atuar em caráter supletivo nas ações administrativas de licenciamento e na autorização ambiental, nas seguintes hipóteses:

I – inexistindo órgão ambiental capacitado ou conselho de meio ambiente no Estado ou no Distrito Federal, a União deve desempenhar as ações administrativas estaduais ou distritais até a sua criação;

II – inexistindo órgão ambiental capacitado ou conselho de meio ambiente no Município, o Estado deve desempenhar as ações administrativas municipais até a sua criação; e

III – inexistindo órgão ambiental capacitado ou conselho de meio ambiente no Estado e no Município, a União deve desempenhar as ações administrativas até a sua criação em um daqueles entes federativos.

Em vista disso, sob pena de perderem a atribuição, há que se cumprir as seguintes exigências: i) ter um órgão ambiental, ii) ser esse órgão ambiental capacitado e iii) ter conselho de meio ambiente. Cumpre esclarecer que se tratam de requisitos tanto para o licenciamento ambiental quanto para a imposição de sanções administrativas, a exemplo de embargo e multa, dado que ambas as atribuições estão diretamente relacionadas por conta dos artigos 7º, XIII, 8º, XIII, 9º, XIII e 17, caput da lei transcrita.

Pois bem. O órgão ambiental poderá ter formato de agência, autarquia, fundação, secretaria ou mesmo sociedade de economia mista, já que a lei não entra no mérito da natureza jurídica a ser adotada. Não há a exigência de que o órgão se dedique apenas à pauta ambiental, podendo ser voltado também a outros interesses, a exemplo da questão agrária, turística ou urbanística. Pode ser apenas um departamento, uma diretoria ou um setor a cuidar da área, não sendo sequer obrigatório o órgão ter o nome vinculado à temática do meio ambiente. É claro que o ideal é a agenda única, mormente em uma área complexa como essa, visto que a especialidade costuma trazer melhores resultados. Porém, tudo isso fica a cargo da conveniência e oportunidade da Administração Pública haja vista a autonomia dos entes federativos, pois do ponto de vista legal o que importa é que exista um órgão que cuide da temática ambiental.

É importante que haja lei instituindo o órgão e o autorizando a agir como tal para que o Município possa licenciar e apor sanções administrativas, dado que as limitações ao direito de propriedade só podem ser criadas por lei. Essa lei também precisa criar e disciplinar os cargos voltados a essa agenda, a exemplo dos fiscais, técnicos e analistas ambientais, tendo em vista a obediência ao princípio da legalidade, pedra angular do Estado Democrático de Direito. Obviamente, as taxas ambientais devem estar previstas em lei porque assim determina a Lei Fundamental, embora na prática taxas como a de licenciamento ambiental muitas vezes não observem os requisitos legais, sendo cobrada como uma contribuição.

Em relação à ideia de órgão ambiental capacitado, a única exigência legal é que o número de técnicos fosse compatível com a demanda. A determinação é lógica, pois se o Município não dispuser de uma estrutura adequada de equipamentos e de técnicos capacitados o controle ambiental não será feito de maneira adequada, o que colocará em risco o meio ambiente e a saúde pública. Outrossim, o problema não é mais a fundamentação jurídica para a competência, mas a capacitação técnica para exercê-la de fato.

Vale lembrar que é para arrecadar ou para estimular determinados segmentos econômicos que alguns Municípios justificam o interesse em assumir o licenciamento, sendo razoável a preocupação com a possibilidade de criação de “cartórios ambientais”, órgãos que concederiam licenças e autorizações ambientais sem fazer o controle ambiental de fato. Esse, aliás, sempre foi o maior receio dos que são contrários à municipalização da política ambiental, para quem no âmbito municipal a falta de apoio técnico e a ingerência política seriam maiores. A preocupação do legislador, portanto, é natural.

Lamentavelmente, a lei perdeu a oportunidade de disciplinar qual seria a estrutura técnica mínima para que o ente local passe a licenciar, deixando essa responsabilidade para os estados, pois segundo a Lei Complementar 140/2011 incumbiria aos conselhos estaduais de meio ambiente incumbiria fazer essa regulamentação. Acontece que não cabe ao Estado dizer o que os Municípios podem ou não fazer, mesmo porque isso seria inconstitucional em virtude da autonomia das entidades federativas, conforme se discutiu no texto citado. Todavia, nada impede que os conselhos estaduais se certifiquem da capacidade técnica dos entes locais, verificando se eles possuem a estrutura mínima necessária. O problema é que a maioria dos Estados simplesmente não têm entrado nesse mérito, limitando-se a dizer o que pode ficar a cargo dos entes locais ou não, em regra sem apontar qualquer justificativa técnica.

Uma exceção é a Resolução Conema 42/2012, do Rio de Janeiro, cujo Anexo I chega a estabelecer a quantidade e a qualificação dos técnicos existentes para que a Municipalidade possa fazer o licenciamento. Interessante observar que existe uma gradação, de forma que quanto maior a estrutura mais amplo será o rol e a complexidade das atividades a serem abarcada. É uma medida pertinente, que pode sim ser tomada como referência pelos outros estados.

Na verdade, não há como estabelecer exigências técnicas sem conhecer a realidade regional e local. Por isso, uma iniciativa relevante seria retomar o cadastro ambiental, que é um instrumento previsto na Lei n. 6.938/81, para a partir daí se traçar os requisitos técnicos para cada Municipalidade. A identificação do perfil ambiental do lugar, como número e espécies de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, e recursos naturais existentes (tipos de solo, fauna, flora, paisagens, recursos hídricos etc), é pré-condição para a definição da quantidade e da qualificação dos profissionais envolvidos e das metas a serem atingidas. Com efeito, tudo terá de ser definido em função da economia, da extensão territorial e das riquezas naturais, pois o planejamento ambiental de um Município de vocação industrial será distinto do de vocação turística e assim por diante. É pena que a Lei complementar 140/2011 não tenha previsto isso expressamente, mas nada impede que se edite o decreto regulamentador dessa com estabelecendo tal exigência.

Por fim, a obrigatoriedade do conselho de meio ambiente visa garantir a participação popular e a transparência, rendendo homenagens aos princípios da participação, da publicidade e da transparência. A lei não estabelece exigências a respeito da composição do conselho, definição que ficará a cargo da lei que o criou, mas se presume que deve ter formação paritária com a sociedade civil porque isso garantiria uma maior efetivação dos princípios citados e porque o CONAMA também é assim, consoante dispõe o Decreto n. 99.274/90. É também por causa da simetria federativa e da própria ideia de SISNAMA que se presume o caráter deliberativo desses conselhos, a quem caberá dispor sobre padrões de qualidade ambiental de âmbito local, julgamento de autos de infração em segunda instância administrativa e revisão de licenciamentos ambientais. De qualquer forma, a União pode editar o decreto regulamentar da Lei complementar 140/2011 dispondo de maneira expressa sobre a composição paritária e o caráter deliberativo.

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