Estudo da UFMG constata que cadastro ambiental não coíbe desmatamento de áreas rurais na Amazônia
O Cadastro Ambiental Rural (CAR) foi criado com a justificativa de que impediria o desmatamento de propriedades rurais. Com base no monitoramento das terras via satélite pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o proprietário rural, quando desmatasse, receberia a multa pelo correio, sem necessidade de fiscalização presencial. Para muitos especialistas, essa vigilância a distância forçaria os produtores a reduzir os níveis de desmatamento em suas terras.
Estudo desenvolvido por pesquisadores da UFMG constata que essa esperança não se confirmou: o CAR não foi suficiente para combater o desmatamento e estimular a recuperação de áreas degradadas na Amazônia. O trabalho, publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), vale-se de dados do cadastramento de imóveis rurais no Pará e no Mato Grosso, estados onde a experiência com o CAR teve início nos anos de 2008 e 2009, respectivamente.
“Sempre se alegou que era difícil combater o desmatamento porque ninguém sabia quem desmatava. O cadastro se propõe a resolver esse problema, possibilitando que as pessoas sejam identificadas e punidas a um custo baixo. Por isso, o CAR foi uma das grandes moedas de troca do enfraquecimento do novo Código Florestal, que anistiou 58% da área de todo desmatamento ilegal até 2008. O problema é que os estados que implementaram o CAR e o governo federal não utilizaram todo o potencial punitivo do instrumento, pois temiam que muitos proprietários desistiriam de se cadastrar ao perceberem que estariam mais sujeitos às punições”, afirma o professor Raoni Rajão, do Departamento de Engenharia de Produção da UFMG, coordenador do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais e um dos autores do artigo.
Para desenvolver o estudo, a equipe do professor Rajão e do Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (Ipam) comparou as taxas de desmatamento, antes e depois do cadastramento de regiões rurais, e entrevistou proprietários de terras. Foi usada na análise uma base de 25 mil propriedades rurais cadastradas no Pará (2008 a 2013) e no Mato Grosso (2009 a 2012).
Morosidade
Uma das conclusões do estudo demonstra que as pequenas propriedades reduziram o desmatamento nos primeiros anos, mas voltaram a desmatar em razão da morosidade do sistema de punições e da ausência de multas. O estudo mostrou que a adesão ao CAR no Pará e no Mato Grosso também não fornece incentivos para a recuperação ou compensação de áreas desmatadas ilegalmente no passado. Segundo a análise dos dados, os responsáveis por 83% das propriedades rurais do Mato Grosso e por 77% das propriedades do Pará declararam que não pretendem se adequar ao Código Florestal no contexto atual.
Durante as entrevistas, 76% dos proprietários rurais afirmaram que só recuperariam suas áreas caso fossem obrigados pelo governo ou se recebessem alguma espécie de incentivo. Outros 18% demonstraram não ter qualquer interesse em regularizar a situação de suas propriedades, e 6% alegaram estar com o processo de regularização em curso. Cem proprietários foram entrevistados nos dois estados.
“As entrevistas mostram que o CAR não consegue coibir o desmatamento nem levar à regularização ambiental porque não há incentivos que levem os produtores rurais a buscar a regularização. O estudo mostra a importância de se rever os custos e os benefícios do cadastramento. Hoje, se está cadastrada, a pessoa já possui acesso ao crédito rural subsidiado, mesmo que desmate. Assim, não existem incentivos para ir além do simples registro no sistema”, defende Rajão.
O professor acrescenta que é preciso agravar a punição a quem desmata, ao mesmo tempo que se deve aumentar o benefício dos cadastrados que não desmatam. “É um processo lento e que tem a ver com governança. Não adianta apenas punir, as pessoas precisam se sentir vigiadas e expostas às multas para que elas mudem a postura. Hoje é mais barato comprar e desmatar do que recuperar uma área que está degradada. São necessários incentivos para os proprietários, como acesso a linhas de crédito e mercados especiais para aqueles que preservam suas florestas. Só assim o CAR será efetivo no combate ao desmatamento”, afirma o professor.
Perdão
O novo Código Florestal foi aprovado em 2012 com o objetivo de perdoar boa parte do desmatamento ocorrido antes de 2008, com a aplicação plena das regras apenas depois que o código entrasse em vigor. Na opinião de Raoni Rajão, o instrumento não diminui a exigência de conservação futura, mas passa uma mensagem negativa, uma vez que proporcionou vantagem econômica a quem desmatou no passado. “O problema é que, desde a aprovação em 2012, essa rigidez prometida não aconteceu. E o pior: o Congresso Nacional continua mudando a lei para estender o prazo de implementação do código, inclusive ameaçando mudar a data de corte de 2008 para um ano mais recente”, critica.
FONTE: UFMG