CAR tem mais de 11 mil declarações de propriedade em terras indígenas
Um levantamento do Serviço Florestal Brasileiro a que o G1 teve acesso com exclusividade identificou 11.569 Cadastros Ambientais Rurais (CAR) sobrepostos a terras indígenas homologadas de forma parcial ou completa. De acordo com o diretor do órgão, Raimundo Deusdará Filho, novos cruzamentos de dados passarão a constar na base de dados do CAR nos próximos dias.
O CAR foi criado há 5 anos, e regulamentado há 3 anos. Trata-se de um registro público eletrônico, inspirado no sistema da Receita Federal, em que os donos de terra precisam declarar a propriedade e ceder as informações ambientais sobre ela. Isso gera uma base de controle, que pretende ajudar, entre outras metas, no controle ao desmatamento.
Especialistas apontam, no entanto, problemas na implementação do sistema. Daniel Azeredo, procurador da República e secretário executivo da 4 ª Câmara do Ministério Público Federal (Meio Ambiente e Patrimônio Cultural), disse que já existe tecnologia no Brasil para que o sistema seja tão eficiente quanto o da Receita, mas faltam agentes para fiscalização e evitar as sobreposições.
“Hoje nós temos vários cadastros realmente ilegais. Você tem áreas que deveriam ser tituladas pelas populações tradicionais e um madeireiro, um grileiro, ou qualquer pessoa, faz um CAR para tentar dar a aparência de que o território é dele”, diz.
“Isso é perigoso porque a gente já obteve decisão em que o poder judiciário reconhece o direito da pessoa com o documento, no caso do CAR”, completa.
Um outro recorte, feito pela promotoria da região de Castanhal, no Pará, levantou que o estado tem 380 cadastros ambientais rurais individuais em conflito com 51 territórios quilombolas titulados. O dado foi levantado na Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do estado e ainda está sendo analisado pelo Ministério Público.
Eliane Moreira, promotora que levantou o número, disse que ainda deverá checar se nenhum desses 380 CARs foi cadastrado pelos próprios integrantes das comunidades quilombolas. De qualquer forma, essas terras tradicionais não podem ter o registro individual.
“Não é o correto. Mas existe uma exigência, como uma emissão de GTA, que é a Guia de Transporte Animal, e outros guias necessários. O quilombola que é produtor precisa desses documentos, e muitas vezes o estado não se incumbiu de fazer o CAR da comunidade. Eles vão lá e fazem o CAR individual para resolver isso”, disse Moreira.
Conflitos acirrados
Não é a principal causa, mas, de acordo com a promotora e o procurador-geral, as sobreposições acirram os conflitos por terra no estado.
“Influencia muito. Até acirra o conflito. Porque o grileiro passa a ter um documento. A gente não pode permitir que ele tenha um documento. Então você já deveria ter uma equipe de auditoria do Cadastro Ambiental Rural que em poucos dias já bloqueia esse cara. E isso não acontece e acirra o conflito com comunidades tradicionais”, disse Azeredo.
Apenas neste ano, o estado do Pará teve 13 assassinatos decorrentes dos conflitos de terra, de acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Um dos casos foi a recente chacina na Fazenda Santa Lúcia, em Pau d’Arco, no Pará, onde nove homens e uma mulher morreram em confronto com a polícia. No Brasil, foram 37 mortes rastreadas pela CPT.
Rubens Siqueira, da Coordenação Nacional Executiva da CPT, disse que “a ideia de cadastrar e monitorar a preservação florestal e ambiental com avançadas tecnologias de informação não deixa de ser interessante e bem-vinda. Mas, para funcionar, precisaria que fosse resolvido o caos fundiário que reina no país, o que está longe de se querer e fazer”.
Um problema antigo
O diretor do Serviço Florestal Brasileiro, Raimundo Deusdará Filho, responsável pela base de dados nacional do CAR, afirma que conflitos de terra, grilagem e sobreposição “são problemas que o Brasil enfrenta desde 1500”.
“A crítica é muito positiva e ajuda a trabalhar bem. Porém, em um passado muito recente, ninguém sabia nada. Todo mundo tinha a intuição que tinha esse problema, todo mundo tinha o sentimento de que isso existia. O Cadastro Ambiental Rural, com todos os problemas que tem, está começando a revelar essas informações”, diz. “A verdade é que o Brasil não tinha essa fotografia. Ela está em curso ainda, não acabamos. Tem sobreposição? Tem. A gente vai começar a ver e identificar qual estado, qual município. Vamos supor que o CAR não existisse? A crítica seria que a gente não tem dados”, aponta.
De acordo com Deusdará, os dados com sobreposição deverão ser analisados e os cadastros serão atualizados com status de “pendentes”. Depois, após uma notificação, o governo poderá fazer o cancelamento dos documentos.
Fonte: G1