O navio parou de afundar. Estamos de volta à racionalidade econômica
Para José Roberto Ermírio de Morais, da Votorantim, país está ‘no caminho certo’; mesmo com ambiente ‘ainda difícil’ para negócios, o grupo inaugura este ano projeto de celulose em que investiu R$ 7 bilhões.
O Brasil ainda é um país de práticas empresariais difíceis. “Se o Bill Gates (da Microsoft) ou o Steve Jobs (da Apple) tivessem nascido aqui talvez estivessem vendendo CD pirata nas esquinas”, exemplifica José Roberto Ermírio de Moraes. “Nosso ambiente de negócios no País é para lá de difícil”, completa o empresário, pertencente à terceira geração do Grupo Votorantim — cujo faturamento anual ultrapassa os R$30 bilhões.
Membro do conselho de administração da Votorantim S.A., o executivo está há quase 40 anos nas empresas que atuam nas áreas de cimento, celulose, mineração, siderurgia, suco de laranja e financeira. Como? Por meio de oito divisões, que empregam 47 mil funcionários em 23 países.
Para falar como o Grupo está se organizando para sobreviver à grave crise econômica pela qual passa o País, Ermírio de Moraes deu entrevista à coluna e ao programa Show Business, da TV Bandeirantes, lembrando que, nos últimos dez anos, o Grupo, 100% brasileiro, investiu R$ 56 bilhões por aqui. E inaugura, até o final do ano, fábrica de celulose de R$ 7 bilhões construída em dois anos. Detalhe: 40% dos recursos investidos são capital próprio e o restante, financiamentos. A seguir, os principais trechos da conversa.
Ano que vem, a Votorantim completa 100 anos. Num país volátil, de economia totalmente frágil, como o grupo pretende perpetuar as suas atividades pelos próximos 100?
Sobrevivemos, e bem, a inúmeras crises. Desde a Primeira Guerra (1914-18) até a crise do subprime em 2008 – o que seria uma marolinha aqui no Brasil e se transformou num tsunami. A crise de hoje é profunda, temos desemprego recorde em torno de 12%, recessão acumulada de 8% nos últimos três anos, o que praticamente significa uma depressão econômica. Infelizmente, as contas públicas estão em patamares que colocaram a rota da dívida brasileira numa situação bastante difícil. A Votorantim soube superar todas as crises e essa é mais uma. Elas são diferentes, têm naturezas e contextos diferentes, mas não há dúvida de que ela é brasileira.
Não podemos dizer que vem de fora, né?
Exatamente. Essa é uma crise criada por nós. Infelizmente, em função de decisões equivocadas. Temos que enfrentar essa realidade e trabalhar. Acho que o navio parou de afundar, o que é uma boa notícia. Nós estávamos numa rota em que o naufrágio seria iminente.
Que reformas, a seu ver, são necessárias?
O Brasil já vem discutindo isso desde o governo Fernando Henrique, que conseguiu fazer algumas reformas importantes, principalmente na área econômica. Mas de lá para cá elas vêm sendo discutidas, adiadas e a aprovação é difícil. O governo parece estar na direção certa, estamos de volta à racionalidade econômica.
Vocês são tidos como um grupo conservador, consciente, muito seguro…
Exatamente. Nós colocamos a empresa em primeiro lugar. Acho que a saúde da empresa e sua perenidade são o nosso objetivo maior, como família acionista. E quando eu disse que o grupo deve superar mais essa crise… o importante é que nós estamos sempre nos preparando para o pior cenário. Se ele vier um pouco melhor, é ganho. Tem sido assim nos últimos 100 anos. Não tomamos decisões de última hora, intempestivas. Seria muito bonito aparecer no jornal dando grandes saltos e movimentos, mas nós já vimos muitos exemplos de que isso não dá bons resultados.
Vivemos em tempos em que a internet, os meios de comunicação, as decisões, tudo é feito de maneira muito rápida. Como conservar a modernidade do Grupo e ter essa segurança e solidez?
Qualquer grupo empresarial que queira se perpetuar tem que se reinventar constantemente. Você não pode se acomodar numa situação só porque está fazendo aquilo há muitos anos. Não é porque aquilo deu certo que eu vou continuar fazendo do jeito que eu sei fazer. Pelo contrário, temos que nos reinventar. Já fomos 100% verticalizados, como demandava a situação à época. Com a mudança dos tempos, chegamos à conclusão de que esse modelo de integração não era sustentável.
Como foi essa reinvenção?
Toda empresa tem um fundador. No caso, o meu avô, José Ermírio de Moraes. No início do século passado ele foi um grande visionário. Como todo fundador, ele era, praticamente, a própria empresa. Ele desenvolveu a estratégia, decidiu onde investir, achou que o grupo devia sair do setor têxtil, que foi a sua origem.
Ele não era de São Paulo,né?
Não. Era de Pernambuco. Veio porque casou com a minha avó. O pai dela, (Antonio) Pereira Ignácio, tinha algumas indústrias iniciando no setor têxtil. Então, ele convidou o meu avô a trabalhar com ele – ou seja, era o genro. Os livros de cases de administração podem considerar que genros também dão certo (risos).
Como todo fundador, ele era centralizador?
Sim, tomava todas as decisões. À medida que a empresa começa a crescer e as gerações seguintes começam a participar da gestão, aí a complexidade aumenta exponencialmente.
Por quê?
Porque você começa a colocar na empresa novas pessoas com poder de decisão. No caso dos irmãos, filhos do fundador, isso tem que ser muito bem planejado, para que lá na frente não se crie um choque de ideias, de estilos, que possam pôr a empresa em dificuldade. Na Votorantim, nós tivemos muito sucesso nessas transições. É isso que eu queria deixar claro. Nós sempre planejamos muito e com muita disciplina.
Outras empresas tentaram fazer o que vocês fizeram, essa profissionalização, e não deu muito certo…
A estatística é perversa. Só 4%, 3% das empresas familiares chegam na terceira geração em situações de crescimento e gerando valor. O que é que vocês fizeram de diferente? Não é de diferente. Se você planejar com antecedência, não esperar a situação se agravar… Estamos falando de governança. Tem dois pilares que são dos mais importantes para a perenidade de uma empresa: a governança e a estratégia. Elas têm que caminhar, evoluir, em paralelo. Sempre demos muita atenção à governança. À medida que as gerações foram entrando no grupo, foram discutidas as regras, foram feitos os acordos de acionistas devidamente adequados, definindo direitos e obrigações e como os acionistas devem se comportar. Foi implantada a meritocracia. Talvez esse seja um dos aspectos mais importantes, porque na época do fundador, a empresa normalmente é menos meritocrática, existe um certo paternalismo, o fundador prefere trabalhar com os colaboradores que são leais a ele. Às vezes, a lealdade e a meritocracia se confundem. E nós partimos para uma meritocracia absoluta, como sendo uma regra absoluta. Mas o interessante é todo mundo da família aceitar isso. Pois isso é o mais importante, a família alinhada nesses princípios. Os valores do grupo se mantiveram desde o fundador. Nossos valores são os nossos grandes pilares, vamos chamar assim, de competitividade. Isso é até uma diferenciação no mundo de hoje. Então os nossos valores são mantidos. A nossa governança vem evoluindo e nós tivemos aí a humildade de nos respeitar como sócios e entender que o grupo está em primeiro lugar.
Há muitos anos a gente ouve a mesma coisa, o Brasil é um país do futuro, do futuro, do futuro. Quantas gerações mais até a gente chegar ao futuro?
Essa resposta só virá na próxima geração. Nós tomamos decisões erradas como nação. Se fizermos a comparação com outros países em desenvolvimento, veremos que hoje o Brasil está no último lugar entre os emergentes em termos de crescimento histórico. Estamos na lanterna do crescimento. Sem competitividade, o País não vai crescer. Estudo do Banco Mundial sobre competitividade mostra o Brasil na 83.ª posição entre 140 países.
E o que é que nos impede de melhorar a competitividade?
Nos últimos anos deixamos de fazer reformas importantíssimas, que o governo atual está tentando encaminhar, como a da Previdência, a trabalhista, a fiscal e a política. Essas são as reformas principais, mas não suficientes. Suficientes são as microrreformas. Produzir hoje no Brasil é proibitivo pela falta de competitividade.
Precisamos de um choque de capitalismo?
Sim, de um choque de gestão. O que é um choque de capitalismo? O Brasil ainda é um país de práticas empresariais difíceis de serem tratadas. Se o Bill Gates e o Steve Jobs tivessem nascido no Brasil, eles talvez acabariam vendendo CD pirata nas esquinas, porque o ambiente para se fazer negócio é muito hostil.
Há uma certa desesperança nos meios empresariais. Isto bloqueia os investimentos?
Nós investimos R$ 56 bilhões nos últimos 10 anos. Para nós, isso é um sucesso. Mas, e o Brasil? O Brasil precisa de 25% de investimento do PIB e investe só 16%. Então, sem investimento, sem produtividade, sem indústria pujante, sobra o agrobusiness. Esse vai bem. É competitivo, tem grande produtividade, mas não pode carregar o Brasil.
Estamos numa fase de ponto de espera, não?
É verdade. É que ainda estamos num momento de ajuste, voltamos 10 anos. Não deveríamos mais estar discutindo ajustes. O Chile, que é um país de dimensões muito menores, está em outro estágio. Estão discutindo outras coisas, porque as condições das contas públicas já estão sob controle. É importante dizer que hoje 60% do nosso Ebitda (geração de caixa) vem do exterior.
Pode explica melhor seus investimentos lá fora?
Os investimentos estão sendo feitos em mineração e cimento, principalmente, tanto na América Latina quanto nos EUA, Europa e Ásia. Estamos priorizando agora os investimentos no exterior, com fábricas de cimento nos Estados Unidos, Europa e Ásia, e com zinco no Peru. Isso já corresponde a mais da metade dos US$ 5 bilhões que gastamos no ano passado e outro montante de igual valor, este ano. Nossa prioridade é terminar esses investimentos, porque o mundo está crescendo, as oportunidades existem e são posições estratégicas das quais o Grupo não pode abrir mão. No Brasil, o nosso maior projeto é o de celulose, no Mato Grosso do Sul. Celulose é um setor que não depende do Brasil, é 100% exportável e terminaremos a fábrica esse ano, com investimento total de R$ 7 bilhões em dois anos. Essa é uma ampliação de fábrica no Brasil, mas visando o mercado externo…
Os recursos para esses investimentos vêm de onde?
Cerca de 40% vêm de capital próprio e 60% são alavancados. Outro investimento importante que estamos fazendo no Brasil é a construção de parques eólicos no Piauí, que marcam a nossa entrada nessa área de energia, no total de R$ 1 bilhão de investimento. Ficarão prontos em 2018.
Vocês pretendem ampliar horizontes lá fora?
Nós somos brasileiros, queremos ficar no Brasil, acreditamos no Brasil, investimos no Brasil e não pretendemos sair do Brasil. Essa é a nossa história, o nosso legado, é o que queremos passar às próximas gerações. Vamos continuar insistindo, o Brasil é um país continental, com um potencial enorme. Tem muitas dificuldades, mas temos ainda anos e anos para construir a nação que esperamos. Então, o que precisamos fazer? Precisamos tentar influenciar as gerações – os políticos, as classes empresariais, os trabalhadores. Precisamos dizer que temos desafios enormes, mas que também temos excelente potencial se fizermos as escolhas certas. E essas escolhas cabem a nós, que vemos a nação como prioridade. Vamos procurar ensinar um pouco daquilo que aprendemos e tentar influenciar de maneira positiva.
Fonte: Estadão