Opinião: Cadastro Ambiental Rural – hora dos fatos
Evaristo de Miranda*
A agricultura brasileira conta com um novo e poderoso instrumento de planejamento e análise: o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Seus dados revelam o papel decisivo da agropecuária na preservação ambiental e apontam tendências, até então desconhecidas, na ocupação das terras.
Criado pela Lei 12.651/2012, o CAR é um registro eletrônico, obrigatório para imóveis rurais. Até 31 de dezembro de 2016, mais de 3,92 milhões de imóveis, ocupando um total de 399.233.861 hectares, estavam inseridos no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar).
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) integrou ao seu Sistema de Inteligência Territorial Estratégica os dados geocodificados do CAR com o perímetro dos imóveis e os mapas das áreas exploradas, consolidadas, de preservação permanente, de reserva legal, de interesse social, de utilidade pública, etc. São 18 categorias de uso e ocupação das terras, geocodificadas em cada imóvel. E para cada categoria há, em geral, mais de um polígono ou mancha demarcada. São centenas de milhões de polígonos, com bancos de dados associados, trabalhados pela equipe do Grupo de Inteligência Territorial Estratégica da Embrapa.
O Censo do IBGE de 2006 registrou 5.175.636 estabelecimentos agrícolas no Brasil. O conceito de imóvel rural do CAR e o de estabelecimento agrícola do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) são bastante próximos. Até o final de 2016, um total de 2.923.689 imóveis rurais estava cadastrado no Sicar, 75,8% do esperado, tendo 2006 como base. As unidades ainda não cadastradas – 1.251.947 – estavam localizadas essencialmente no Nordeste.
No Censo de 2006 havia 3.454.060 estabelecimentos agrícolas no Nordeste, mais da metade dos agricultores do Brasil. Destes, apenas 836.169 estavam cadastrados no Sicar em 2016, algo como 34% do esperado. Como disse o ex-ministro Aldo Rebelo, no semiárido a maioria dos produtores nunca ouviu falar nem de CAR nem de internet.
No restante do Brasil, os imóveis rurais pulularam. No Norte, o número de imóveis cadastrados no CAR é 23,3% maior do que os detectados no Censo de 2006. O aumento também se verificou no Sul (14%), no Centro-Oeste (12,5%) e no Sudeste (8,1%).
O CAR não é um censo, mas é muito preciso para certas variáveis ao trabalhar com declarações expressas em mapas sobre imagens de satélite. A área dos imóveis no CAR, cerca de três quartos do total dos estabelecimentos agrícolas de 2006, já totalizou 399.233.862 hectares. A área apropriada pela agricultura teria crescido 65.553.825 hectares (19,6%) em dez anos.
O dado é paradoxal. De acordo com o IBGE, a área total da agricultura brasileira vinha declinando. Em 1985, era de 374.934.797 hectares; em 1995, 353.611.191 hectares; e em 2006, 333.680.037 hectares. Uma redução constante da área total da ordem de 12% ou a perda de 45 milhões de hectares entre 1985 e 2006. Os dados iniciais do CAR parecem negar essa tendência.
O maior aumento da área declarada com relação ao Censo de 2006 ocorreu no Norte: 133,6%! No Centro-Oeste, o crescimento foi de 13,8% e no Sudeste, de 5,9%. Até o Nordeste, tão pouco cadastrado no CAR (34%), já totaliza uma área de 55.788.137 hectares, ou 73% dos 76.074.411 hectares do Censo 2006! Única exceção: a redução de 7,3% na área declarada no Sul, apesar de um número de imóveis cadastrados 14% superior ao do Censo de 2006.
A área apropriada pela agricultura em dez anos passou de 38,7% para 47% do território nacional? Seria uma inversão na tendência declinante da área da agricultura? O tamanho médio dos imóveis teria passado de 64 hectares em 2006 para 102 em 2016? Não é o que parece. Ou, ao menos, as primeiras análises da Embrapa indicam outras realidades.
No Norte, a expansão seria em parte o reflexo de políticas de regularização fundiária e da tentativa de muitos de materializar uma posse precária de terras. Isso causa uma grande sobreposição de áreas. Em todo o País, outros fenômenos se conjugam: imprecisões na delimitação dos imóveis, sobreposições, diversos erros de registro e inconsistências na base de dados. Ainda assim, merecem aplausos os organizadores do CAR e os gestores do Sicar, por obterem o resultado de um extraordinário trabalho coordenado e coletivo junto a quase 4 milhões de produtores rurais.
Área apropriada não significa área explorada. O início do tratamento dos dados do CAR pela Embrapa apresenta fatos incontornáveis sobre o papel da agricultura na preservação de ecossistemas e biodiversidade. Boa parte dessas áreas agrícolas é ocupada por florestas, água e vegetação nativa.
Em São Paulo, de longa história agrícola, áreas de preservação permanente, reserva legal, vegetação excedente, ambientes lacustres e palustres, em 302.337 imóveis rurais já cadastrados, totalizam 3.808.519 hectares, 15,3% do Estado ou 22% da área rural.
Os produtores preservam 21,3% do bioma Cerrado no Estado e 12,4% da Mata Atlântica. A área total preservada pelos agricultores é maior do que todas as unidades de conservação e terras indígenas existentes em São Paulo.
]Em Mato Grosso, de agricultura mais recente, as áreas agrícolas preservam quase o dobro do existente em unidades de conservação e terras indígenas! E novas áreas serão ainda agregadas, pois restam imóveis por cadastrar.
A Embrapa divulgará novos resultados agregados do CAR para Estados, municípios e cadeias produtivas. E com análises e mapas detalhados das áreas preservadas e do custo decorrente para o produtor, sem contrapartida da sociedade. Eles revelarão, conforme dados iniciais indicam e ao contrário do que alguns des-in-formados afirmam, que no Brasil a salvação da biodiversidade, do meio ambiente e da economia está na lavoura.
* DOUTOR EM ECOLOGIA, E CHEFE GERAL DA EMBRAPA MONITORAMENTO POR SATÉLITE
Fonte: O Estado de S.Paulo
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